Hoje sabe-se cada vez menos o que isso significa, o que seja um homem realmente vivo, e se entregam à morte sob o fogo da metralha a milhares de homens, cada um dos quais constitui um ensaio único e precioso da Natureza. Se não passássemos de indivíduos isolados, se cada um de nós pudesse realmente ser varrido por uma bala de fuzil, não haveria sentido algum em relatar histórias.
Mas cada homem não é apenas ele mesmo; é também um ponto único, singularíssimo, sempre importante e peculiar, no qual os fenômenos do mundo se cruzam daquela forma uma só vez e nunca mais. Assim, a história de cada homem é essencial, eterna e divina, e cada homem, ao viver em alguma parte e cumprir os ditames da Natureza, é algo maravilhoso e digno de toda a atenção. Em cada um dos seres humanos o espírito adquiriu forma, em cada um deles a criatura padece, em cada qual é crucificado um Redentor.
Poucos são hoje os que sabem o que seja um homem. Muitos o sentem e, por senti-lo, morrem mais aliviados, como eu próprio, se conseguir terminar este relato.
Não creio ser um homem que saiba. Tenho sido sempre um homem que busca, mas já agora não busco mais nas estrelas e nos livros: começo a ouvir os ensinamentos que meu sangue murmura em mim. Não é agradável a minha história, não é suave e harmoniosa como as histórias inventadas; sabe a insensatez e a confusão, a loucura e a sonho, como a vida de todos os homens que já não querem mais mentir a si mesmos.
A vida de todo ser humano é um caminho em direção a si mesmo, a tentativa de um caminho, o seguir de um simples rastro. Homem algum chegou a ser completamente ele mesmo; mas todos aspiram a sê-lo, obscuramente alguns, outros mais claramente, cada qual como pode. Todos levam consigo, até o fim, viscosidades e cascas de ovo de um mundo primitivo. Há os que não chegam jamais a ser homens, e continuam sendo rãs, esquilos ou formigas. Outros que são homens da cintura para cima e peixes da cintura para baixo. Mas, cada um deles é um impulso em direção ao ser. Todos temos origens comuns: as mães; todos proviemos do mesmo abismo, mas cada um — resultado de uma tentativa ou de um impulso inicial — tende a seu próprio fim. Assim é que podemos entender-nos uns aos outros, mas somente a si mesmo pode cada um interpretar-se.
verdade e confusão...
“Não creio ser um homem que saiba. Tenho sido sempre um homem que busca, mas já agora não busco mais nas estrelas e nos livros: começo a ouvir os ensinamentos que meu sangue murmura em mim. Não é agradável a minha história, não é suave e harmoniosa como as histórias inventadas; sabe a insensatez e a confusão, a loucura e a sonho, como a vida de todos os homens que já não querem mais mentir a si mesmos.”
(Hermann Hesse, Demian. p.6)
o Caminho
“A vida de todo ser humano é um caminho em direção a si mesmo, a tentativa de um caminho, o seguir de um simples rastro. Homem algum chegou a ser completamente ele mesmo; mas todos aspiram a sê-lo, obscuramente alguns, outros mais claramente, cada qual como pode.”
(Hermann Hesse, Demian, p.6)
o caminho, 2...
“... nada na vida repugna tanto ao homem do que seguir pelo caminho que o conduz a si mesmo.”
(Hermann Hesse, Demian, p.46)
escolhos...
“E há muitos também que se embaraçam para sempre nesses escolhos e permanecem a vida toda agarrados a um passado sem retorno, ao sonho do paraíso perdido, o pior e mais assassino de todos os sonhos.”
(Hermann Hesse, Demian, p.50)
idéias de valor...
“Somente as idéias que vivemos é que têm valor.”
(Hermann Hesse, Demian, p.61)
mundo permitido...
“Percebeste que o 'mundo permitido' era apenas a metade do mundo, e trataste de ocultar a outra metade, como fazem os religiosos e os professores. Jamais o conseguirás! Ninguém o consegue, a partir do momento em que haja começado a pensar.”
(Hermann Hesse, Demian, p.61)
juiz de si próprio...
“cada um de nós tem que encontrar por si mesmo o "permitido" e o "proibido" relativamente à sua própria pessoa... o que é proibido a cada um de nós. Podemos deixar de fazer tudo o que for proibido e sermos, a despeito disso, um ressumado patife. E vice-versa. Em suma, tudo não passa de uma questão de comodidade! Aquele que acha mais cômodo não ter que pensar por si mesmo e ser seu próprio juiz acaba por submeter-se às proibições vigentes. Acha isso mais simples. Mas há outros que sentem em si mesmos sua própria lei, e consideram proibidas certas coisas que os homens de bem perpetram a todo instante e permitem outras sobre as quais recai uma geral interdição. Cada qual tem que responder por si mesmo.”
(Hermann Hesse, Demian, p.61)
milagres...
Se não passássemos de indivíduos isolados, se cada um de nós pudesse realmente ser varrido por uma bala de fuzil, não haveria sentido algum em relatar histórias. Mas cada homem não é apenas ele mesmo; é também um ponto único, singularíssimo, sempre importante e peculiar, no qual os fenômenos do mundo se cruzam daquela forma uma só vez e nunca mais. Assim, a história de cada homem é essencial, eterna e divina, e cada homem, ao viver em alguma parte e cumprir os ditames da Natureza, é algo maravilhoso e digno de toda a atenção. Em cada um dos seres humanos o espírito adquiriu forma, em cada um deles a criatura padece, em cada qual é crucificado um Redentor.
fechar-se em si...
As palavras engenhosas não têm qualquer valor, absolutamente nenhum. Só conseguem afastar-nos de nós mesmos. E afastar-se de si mesmo é um pecado. É preciso que se saiba encerrar-se em si mesmo, como a tartaruga.
(p.64)
libertinos...
A vida de um libertino é uma das melhores preparações para o misticismo.
(p.84)
há alguém...
Dentro de nós há alguém que tudo sabe, tudo quer e age melhor do que nós mesmos.
(p.84)
nascer é destruir...
Quem quiser nascer tem que destruir um mundo.
(p.91)
música e moral...
A música me agrada por sua completa ausência de moralidade. Todo o resto é moral, e procuro algo que não o seja. O moral nunca me trouxe nada que não fosse doloroso.
(p.99)
filosofia e silêncio...
Vamos praticar um pouco de filosofia, ou seja, calar a boca, deitar-nos sobre o ventre e pensar.
(p.101)
contemplação da natureza...
(...) a contemplação dessas criaturas, o abandono às formas irracionais, singulares e retorcidas da Natureza, despertam em nós um sentimento de consciência do nosso interior com a vontade que as fez nascer e acabam por parecer-nos criações próprias, obras de nosso capricho; vemos tremer e dissolver-se as fronteiras entre nós e a Natureza, e conhecemos um novo estado de ânimo em que já não sabemos se as imagens refletidas em nossa retina procedem de impressões exteriores ou interiores. Nenhuma outra prática nos revela tão singelamente quanto esta até que ponto também somos criadores e como nossa alma participa sempre de uma contínua criação do mundo. Uma mesma divindade indivisível atua sobre nós e a Natureza, e se o mundo exterior desaparecesse, qualquer um de nós seria capaz de reconstruí-lo, pois a montanha e o rio, a árvore e a folha, a raiz e a flor, todas as criaturas da Natureza estão previamente criadas em nós mesmos, provêm de nossa alma, cuja essência é a eternidade, essência que escapa ao nosso conhecimento, mas que se faz sentir em nós como força amorosa e criadora. [1]
(p.103)
inconsciente coletivo...
(...) cada um de nós é um ser total do mundo, e da mesma forma como o corpo integra toda a trajetória da evolução, remontando ao peixe e mesmo a antes, levamos em nossa alma tudo o quanto desde o princípio está vivendo na alma dos homens.
(p.103)
homens e vermes...
Não creio que se possam considerar homens todos esses bípedes que caminham pelas ruas, simplesmente porque andam eretos ou levem nove meses para vir à luz. Sabes muito bem que muitos deles não passam de peixes ou de ovelhas, vermes ou sanguessugas, formigas ou vespas.
(p.104)
renovar-se todo dia...
Que consigamos, tu, eu e alguns outros renovar ou não o mundo é coisa que em breve se verá. Mas, dentro de nós mesmos, temos que renová-lo a cada dia; de outro modo, nada conseguiremos.
(p.111)
só odiamos a nós...
Quando odiamos um homem, odiamos em sua imagem algo que trazemos em nós mesmos. Também o que não está em nós mesmos nos deixa indiferentes.
(p.112)
a única realidade...
A única realidade é aquela que se contém dentro de nós, e se os homens vivem tão irrealmente é porque aceitam como realidade as imagens exteriores e sufocam em si a voz do mundo inteiro. Também se pode ser feliz assim; mas quando se chega a conhecer o outro, torna-se impossível seguir o caminho da maioria.
(p.112)
viver nos próprios sonhos...
A maioria das pessoas vive também em sonhos, mas não nos próprios, e aí é que está a diferença.
(p.114)
gratidão filial...
Todo homem, por mais bondoso que seja, tem que vulnerar uma ou várias vezes em sua vida as belas virtudes da piedade filial e da gratidão.
(p.120)
procurar-se a si mesmo...
Para o homem consciente só havia um dever: procurar-se a si mesmo, afirmar-se em si mesmo e seguir sempre adiante o seu próprio caminho, sem se preocupar com o fim a que possa conduzi-lo.
(p.124)
destino e solidão...
Aquele que verdadeiramente só quer seu destino já não tem semelhantes e se ergue solitário sobre a terra, tendo a seu lado somente os gélidos espaços infinitos.
(p.126)
medo...
Só se tem medo quando não se está de acordo consigo mesmo.
(p.135)
busca no passado...
Todos os homens buscavam a "liberdade" e a "felicidade" num ponto qualquer do passado, só de medo de ver erguer-se diante deles a visão da responsabilidade própria e da própria trajetória.
(p. 136)
estar pronto para o destino...
Todos os homens que influíram na marcha da humanidade, todos eles, sem exceção ou diferença, puderam fazê-lo porque estavam sempre prontos para o destino.
(p.144)
o novo se anuncia...
O novo se anuncia e há de ser terrível para aqueles que permanecerem ligados ao antigo.
(p.157)