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José Lins do Rego e Graciliano Ramos
A homenagem que a Fliporto [Festa Literária Internacional de Pernambuco] presta, este ano, a José Lins do Rego suscita uma questão que, neste momento, provoca a intelectualidade brasileira: afinal, qual é a verdadeira importância deste escritor para a literatura do país? Tudo porque importantes críticos nacionais, desde Wilson Martins, colocaram-no entre os escritores brasileiros menores, sob a acusação de falta de imaginação, tendo sido um mero copista da região nordestina, sobretudo dos pontos de vista sociológico e antropológico. É decisivo, no entanto, para a criação do Regionalismo, por tornar possível no romance o pensamento ensaístico de Gilberto Freyre.
O escritor paraibano pode ser analisado em três linhas importantes da sua produção literária: 1) o ciclo da cana-de-açúcar: Menino de engenho, Doidinho, Usina, O moleque Ricardo, Meus verdes anos, Fogo morto; 2) o ciclo sertanejo: Cangaceiros e Pedra bonita; 3) o ciclo urbano: Eurídice e Água-mãe.
Recentemente, o crítico pernambucano Cristiano Ramos tomou a defesa do autor de Fogo morto, demonstrando que a opinião de Martins carece de sustentação intelectual. E chamou atenção para o fato de que o 80º. aniversário de publicação de Menino de engenho não foi devidamente celebrado pela mídia brasileira, como ocorrera, por exemplo, com Vidas secas, equivocadamente classificado de Regionalista pelos estudiosos. Graciliano jamais foi Regionalista, porque não documentou a região — não teve preocupação sócio-antropológica, mas inventou um universo pela ótica da estética que, afinal, é o objeto da obra de arte. Vidas secas recria o sertão nordestino através dos seus personagens humanos e da revelação de sua psicologia, até mesmo de um animal, a cadela Baleia, e do comportamento político de donos de fazendas e aspirações pequeno-burguesas.
Vejamos o caso de Paulo Honório, do romance São Bernardo, cujo comportamento aspira a psicologia burguesa do homem que chega ao poder pelo poder, ofendendo e humilhando as pessoas que o cercam, entre as quais a própria esposa, Madalena, a quem leva ao suicídio. Algo profundamente desumano, apesar do arrependimento no futuro.
Paulo Honório vê os empregados, e até amigos, como máquinas emperradas, que não merecem qualquer tratamento humano. Portanto, há uma recriação do mundo rural, e não o registro documental, que era a preocupação inicial dos regionalistas. Por isso também a diferença substancial dos dois em relação à linguagem. Graciliano cuidava de tratar o romance como uma verdadeira obra de arte pela reinvenção; enquanto Zé Lins copiava o real, daí a sua ligação com o sociológico e o antropológico.
É por esta razão que Zé Lins comete um incrível erro: ele copia a linguagem regional e não tem cuidado com a linguagem clássica ou correta. Escreve: “Quando me acordei naquele dia”. Ora, ninguém “se acorda”. Uma pessoa simplesmente acorda. Mas na linguagem popular, diz-se: “me acordei”. Graciliano usaria o coloquial, mas procurando reinventá-lo.
A acusação de Wilson Martins perde sentido, porém, quando ele deixa de examinar os personagens, que são regionais, é verdade, mas têm grandeza de invenção. Uma análise mais cuidadosa do mestre Zé Amaro, de Fogo morto, mostrará um personagem muito acima do regional, a partir do seu conflito psicológico. Algo muito bem elaborado, entre o humano, o animalesco e o fantástico. Equilibrando-se nesses três fatores, Zé Lins atinge um alto grau literário, em nada podendo ser comparado apenas ao meramente regional. É invenção, sim, e invenção cuidadosamente elaborada, mesmo quando a linguagem resvala para o documental. São questões que precisam ser examinadas cuidadosamente.
Ocorre que os críticos paulistas, sempre dispostos a combater o Regionalismo por causa do Modernismo, viram em Zé Lins uma espécie de Gilberto Freyre, a quem eles na verdade queriam atingir por causa das brilhantes teses sociológicas que, aliás, contrariam o pensamento paulistano
ENCYCLOPAEDIA V. 51-0 (11/04/2016, 10h24m.), com 2567 verbetes e 2173 imagens.
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