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Guerra de tróia


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A Guerra de Tróia é um dos episódios que compõem o Ciclo Troiano, nome tradicional do complexo conjunto de lendas relacionados à conquista e destruição da cidade de Tróia por uma coalização de povos helênicos. Segundo as lendas, os gregos se reuniram para recuperar a bela Helena, esposa de Menelau, rei de Esparta, raptada por um príncipe troiano chamado Páris, filho do rei Príamo.

Mito ou história?

De acordo com Hesíodo (Op. 164-8), a Guerra de Tróia foi o segundo e último grande empreendimento militar da Era Mitológica. Muitos heróis morreram durante a luta, outros tiveram imensas dificuldades ao retornar e outros, simplesmente, não retornaram — acabaram se instando em outras terras, fundando outras cidades, começando vida nova. O conflito marcou, portanto, o fim da raça dos heróis ou semideuses, e o início da história dos "homens comuns".

Para os gregos, a guerra de Tróia não era um mito, havia acontecido realmente. Intelectuais sérios como Tucídides, por exemplo, recorriam à pretérita guerra de Tróia para explicar fatos históricos de seu presente (1.9-12). O matemático e geógrafo Eratóstenes, da Biblioteca de [Alexandria], outro homem seriíssimo, deu-se ao trabalho de calcular que a guerra teria ocorrido entre -1194 e -1184 , aproximadamente.

Ainda se discute, nos meios acadêmicos, a possibilidade de a lenda da Guerra de Tróia ter fundamento histórico ou não (ver Finley, 1989(. Tanto a tradição como os arqueólogos e historiadores situam a legendária, rica e próspera cidade de Tróia (ou Ílion) na Tróade, planície localizada no extremo noroeste da Ásia Menor, perto do Helesponto[1]. A cidadela foi destruída no final do Período Micênico[2], mas não há evidência de que tenha sido uma façanha militar e, mais especificamente, grega.

Em Tróia, portanto, ainda que um tanto timidamente, mitologia e história se tocam...

Notas


The Death of Priam (Athenian black-figure amphora (storage jar), about 540 BC. Clique no link para ver a imagem em tamanho maior:rel://files/_5R5BNUSZ1WTNSBIEXPFT.jpg


O Helesponto, antigo nome do estreito de Dardanelos, separa a Tróade (noroeste da Ásia Ocidental) da Trácia (Europa). Na Tróade ficava a antiga cidade de Tróia, hoje Hissarlik. Segundo a tradição, Helesponto significa "passagem de Hele" e assinala o local em que Hele, irmã de Frixo, caiu de cima do carneiro voador quando os irmãos se dirigiam para a Cólquida (lenda do tosão de ouro).
Só para comparar, os arqueólogos estimam a destruição de Tróia VIIa, uma das candidatas à mítica Tróia de Homero, mais ou menos em -1260. O erro de Eratóstenes, nesse caso, é de pouco menos de oitenta anos...

Dárdano, tido por ancestral dos reis troianos, era filho de Zeus e de Electra, uma das Plêiades; reinou em toda a região, chamada de Dardânia em sua homenagem.
                     Dárdano
                        |
                    Erictônio
                        |
                       Trós
                        |
               +--------+--------+
               |                 |
              Ilo             Ganimedes
               |
           Laomedonte
               |
     +---------+---------+----...
     |         |         |
  Títono    Hesíone    Príamo
Ganimedes (gr. Γανυμήδης), um dos amores de Zeus, era filho de Trós, que deu nome à Tróade (um outro nome da região). Ilo, irmão de Ganimedes, fundou a cidade de Tróia perto do monte Ida. Segundo a lenda, as muralhas foram construídas por Apolo e Posídon durante o reinado de Laomedonte, famoso pelo não cumprimento de suas promessas e também por se dar mal em razão disso (veja o 9º trabalho de Héracles). Titono (gr. Τιθωνός), um de seus filhos, foi amado por Eos, a aurora; a filha Hermíone participa da lenda de Héracles.

Na época da Guerra de Tróia, a cidade estava no apogeu. Seu rei, Príamo (gr. Πρίαμος), casado com Hécuba, tinha enorme quantidade de filhos e filhas (14, 19 ou 50, conforme a versão). O mais valente e forte de todos, Heitor (gr. Ἕκτωρ), conduziu a luta contra os gregos.

Segundo a lenda, outro dos filhos de Príamo, Páris (gr. Πάρις), foi a causa imediata da guerra. Instado por Afrodite, raptou a belíssima Helena, esposa de Menelau, rei de [Esparta], e foi se refugiar com ela em Tróia.

Oficialmente, foi para vingar essa afronta que Menelau e seus aliados atacaram a cidade; naturalmente, as imensas riquezas de Tróia pesaram um pouco na balança... Após dez anos de cerco, os gregos arrasaram Tróia, mataram o velho rei Príamo, todos os homens e crianças do sexo masculino, escravizaram as mulheres e, é claro, recuperaram Helena.

Hécuba, a viúva de Príamo, Andrômaca, viúva de Heitor, e Cassandra, irmã de Heitor, participam de algumas lendas posteriores à queda da cidade.

Como em muitas lendas gregas, a história da Guerra de Tróia começa muito antes, com um problema entre os deuses, mais especificamente Zeus, Posídon e a nereida Tétis.

A beleza de Tétis

Tétis (gr. Θέτις), a mais formosa das nereidas, era cobiçada por vários deuses. A lenda diz que Posídon e o próprio Zeus estavam tão entusiasmados com ela que chegaram ao ponto de quase lutar entre si. Quando, porém, um oráculo vaticinou que o filho gerado por Tétis se tornaria mais poderoso que o pai[1], o entusiasmo de ambos arrefeceu. Zeus ficou tão preocupado que decidiu arranjar-lhe um marido mortal, para que de nenhum modo a atual ordem do universo se alterasse.

O escolhido foi Peleu (gr. Πηλεύς), rei da Ftia (Tessália), filho de Éaco e neto de Zeus, por parte de pai, e grande amigo de Héracles. Era também amigo ou irmão do herói Télamon. Peleu havia sido educado por Quíron, o mais sábio dos centauros e, além de ter ajudado Héracles em Tróia, entre outras aventuras, havia participado da caça ao Javali de Cálidon e da viagem dos Argonautas.

Tétis não queria se casar e usou sua capacidade de assumir diversas formas, característica das divindades marinhas, para tentar escapar do "noivo". Peleu, porém, instruído por Quíron, não se assustou com as transformações e segurou-a com firmeza, até que a deusa finalmente cedeu.

O casamento de Peleu e Tétis

Peleu e Tétis casaram-se no alto do monte Pélion em magnífica cerimônia. Os deuses honraram-na com sua divina presença, e pela última vez, estiveram reunidos com simples mortais. As próprias musas entoaram o epitalâmio (canto nupcial) e cada um dos deuses deu um presente, conforme a tradição. Posídon, por exemplo, presenteou os noivos com dois cavalos imortais, Bálio e Xanto, capazes também de falar.


(Apolo e o coro das musas). Clique no link para ver a imagem em tamanho maior:rel://files/_LUJY8EPCRYOM0GME6T5D.jpg


Zeus, porém, não havia convidado Éris, filha de Érebo e Nix, a antiga divindade que personificava a discórdia. Mas Éris compareceu assim mesmo e lançou, diante de Hera, Afrodite e Atena, um belíssimo pomo de ouro com a maliciosa e provocativa inscrição: "à mais bela".

Com esse simples gesto Éris desencadeou a acirrada disputa entre as três deusas que, mais tarde, levaria à destruição de Tróia e, nas palavras de Homero, "lançou no Hades muitas almas valorosas de heróis" (Il. 1.3-4).

Nascimento e juventude de Aquiles

Independentemente da desagradável cena do "pomo da discórdia", o casamento de Peleu e Tétis não foi bem-sucedido. A deusa abandonava frequentemente o marido para ficar no palácio de Nereu, seu pai, e matou inadvertidamente os seis primeiros filhos ao tentar torná-los imortais. A técnica, segundo a lenda, era perigosa: Tétis mergulhava a criança recém-nascida no fogo para que os elementos mortais, provenientes de Peleu, pudessem ser consumidos. Somente o sétimo filho, Aquiles (gr. Ἀχιλλεύς), sobreviveu, pois o pai retirou-o a tempo do fogo.

Frustrada na tentativa de tornar Aquiles imortal, a deusa conseguiu no entanto torná-lo invulnerável mergulhando-o no Estige, rio subterrâneo que corria no Hades. Mas a nereida teve de segurar a criança pelos Calcanhares, e assim essa parte de seu corpo continuou vulnerável...

Abandonado por Tétis, encolerizada com sua interferência, Peleu levou então o filho ao centauro Quíron para que o educasse. Com o sábio centauro o jovem Aquiles aprendeu, além das artes guerreiras, a medicina.

Peleu, ciente de que seu filho morreria caso participasse da guerra de Tróia, procurou evitar sua morte obrigando-o a ir para a corte do amigo Licomedes, soberano da Ilha de Squiros. Licomedes vestiu Aquiles de mulher e escondeu-o nos aposentos das mulheres, mas isso pelo menos não o impediu de se unir a Deidâmia, filha do rei, e gerar um filho chamado Neoptólemo.

A despeito de todos os cuidados, no entanto, Aquiles e também Neoptólemo teriam papéis decisivos na conquista de Tróia, anos depois. Aquiles tornou-se o mais poderoso dos guerreiros gregos; sua força, ferocidade e velocidade na corrida tornaram-se mais lendários do que a própria lenda. Homero chamava-o, por exemplo, de πόδας ὠκὺς Ἀχιλλεύς ("Aquiles de pés rápidos" — v.g. Il. 1.84).

Iconografia

Há diversas representações, notadamente em vasos, da cena em que Peleu agarra firmemente a deusa Tétis, que tenta inutilmente se desvencilhar. Muitos vasos antigos e diversas pinturas neoclássicas mostram também Peleu entregando o jovem Aquiles a Quíron.

Notas

A origem do oráculo a respeito do filho poderoso da nereida Tétis é controvertida entre os mitógrafos. Uns creditam-no à titânide Têmis, a deusa das leis eternas, e outros a Prometeu, filho do titã Jápeto.

A querela entre Hera, Afrodite e Atena, desencadeada pelo "pomo da discórdia" de Éris, logo envolveu dois mortais: Páris, também conhecido por Alexandre, e a belíssima Helena.

O julgamento de Páris


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Pouco antes de Páris (gr. Πάρις) ou Alexandre (gr. Ἀλέξανδρος), filho mais novo de Príamo, rei de Tróia, nascer, a rainha Hécuba, sua mãe, teve um sonho profético: daria à luz uma tocha que incendiaria toda a cidade. Adivinhos aconselharam Hécuba a matar a criança, mas ela preferiu simplesmente expor o menino logo após o nascimento.

O servo encarregado da tarefa, porém, recolheu a criança e criou-a secretamente. Anos depois, já um belo rapaz, Páris se tornou pastor e protetor de rebanhos no Monte Ida, perto de Tróia (daí o nome Alexandre, "o que protege os homens"). Posteriormente, ao vencer jogos atléticos disputados na cidade de Tróia, foi reconhecido pela irmã Cassandra, que tinha dons proféticos, e aceito por Príamo e Hécuba.

Quando se deu o impasse provocado por Éris, Zeus determinou que Páris fosse o juiz da disputa e Hermes conduziu então as três deusas ao Monte Ida, onde o rapaz pastoreava os rebanhos. Cada uma das deusas prometeu proteção e favores especiais para dispô-lo a seu favor. Hera lhe daria o domínio de toda a Ásia; Atena, sabedoria; e Afrodite, o amor da mulher mais bela do mundo. Páris decidiu a favor de Afrodite e com isso selou o destino de Tróia.

Helena

A mulher mais bela do mundo era Helena (gr. Ἑλένη), filha de Zeus e de Leda, irmã de Clitemnestra e de Castor e Polideuces. Devido à extraordinária beleza, foi raptada mocinha ainda pelo herói Teseu e levada para Atenas; foi resgatada, porém, por Castor e Polideuces, seus irmãos, pouco antes deles serem divinizados.

Helena parece ter sido, primitivamente, uma divindade laconiana da vegetação ou até mesmo uma antiga divindade indo-européia, filha do Sol. Considerá-la filha de Zeus foi, provavelmente, apenas uma forma simples de assimilar uma divindade feminina pré-helênica a uma divindade masculina indo-européia. Já sua associação a Menelau, Páris e ao ciclo troiano continua um mistério.

Tíndaro, marido de Leda e rei de Esparta, resolveu então casar a jovem. Atraídos por sua beleza, nobres pretendentes de toda a Hélade foram a Esparta pedir sua mão. A disputa se tornou acalorada e os pretendentes estavam a ponto de se matar quando um deles, Odisseu, propôs a Tíndaro que Helena escolhesse o marido; mais ainda, os pretendentes deveriam jurar que respeitariam a escolha e socorreriam o escolhido sempre que necessário.

O rei concordou, os pretendentes fizeram o juramento e Helena então escolheu Menelau, irmão de Agamenon, rei de [Argos] (ou Micenas). Algum tempo depois, com a morte de Tíndaro, Menelau assumiu o trono de Esparta. Na época da querela das três deusas o casal já tinha uma filha de nove anos, Hermíone.

O rapto de Helena

Algum tempo depois do julgamento, Páris dirigiu-se a Esparta, tendo sido bem recebido por Menelau. Mas o rei teve de viajar até Creta, para participar dos funerais de Catreu, filho de Minos e Pasífae, seu avô por parte de mãe, e deixou o hóspede aos cuidados da esposa. Durante a ausência de Menelau, protegido por Afrodite, Páris seduziu Helena e raptou-a; ou, segundo outras versões, ela o acompanhou de livre e espontânea vontade, impressionada pela beleza e pela riqueza do troiano. De qualquer modo, Helena levou consigo escravas e tesouros do palácio e deixou a filha Hermíone para trás.

Diversas tradições míticas, tardias em sua maioria, descrevem as inúmeras peripécias de Páris durante a viagem para a Ásia; quando os fugitivos chegara a Tróia, todos ficaram deslumbrados com a beleza de Helena. Príamo e Hécuba instalaram os dois amantes no palácio, onde viveram durante muitos anos como marido e mulher, até a morte de Páris.

Iconografia e culto

Em Esparta havia uma gruta, a Gruta dos Plátanos, em que Helena era cultuada como uma divindade na forma de uma linda adolescente. No menelaion de Terapne, perto de Esparta, ela e Menelau eram cultuados como heróis pelo menos desde o século -VIII.

Helena e Páris, embora presentes em diversas obras antigas, não têm nenhum atributo iconográfico especial. Há diversas representações do "julgamento de Páris" na arte grega; são mostrados, em geral, o deus Hermes, Páris (caracterizado como um pastor) e as três deusas. A mais fácil de reconhecer é sempre Atena, graças aos seus atributos marciais.

Uma geração antes da Guerra de Tróia, Héracles passou rapidamente pela Arcádia. Estava a caminho da Élida, onde iria combater o rei Augias; apesar da pressa, demorou-se o bastante para engravidar Auge, filha de Aleu, rei de Tegéia.

Numa das versões mais conhecidas da lenda[1], Aleu expulsou a filha e o neto e entregou-os a Náuplio, futuro pai de Palamedes, para serem afogados. Condoído, Náuplio entregou a moça e o menino a mercadores de escravos, que venderam os dois a Teutras, rei da Mísia, região ao norte da Ásia Menor.

Na versão dos poetas trágicos, Auge foi entregue a Náuplio, após dar à luz. A criança, exposta em uma montanha da Arcádia, foi alimentada por uma corça e salva por pastores do rei Córito, que lhe deu o nome de Télefo (gr. Τήλεφος) e o criou. Já moço, Télefo matou acidentalmente os aléadas, seus tios, e teve que abandonar a Arcádia.

Orientado pelo Oráculo de Delfos, dirigiu-se à Mísia e chegou bem a tempo de ajudar o rei Teutras em uma guerra. Para recompensá-lo, o rei lhe deu a mão de Auge, que considerava sua filha adotiva. Mãe e filho, porém, reconheceram-se a tempo, graças à ajuda da deusa Atena.

Télefo herdou o trono de Teutras e, na época em que os gregos se reuniam para atacar a Ásia Menor, ele era aliado dos troianos e rei da Mísia. A segunda parte de sua lenda, relacionada com as duas expedições gregas contra a cidadela de Tróia, será contada a seguir.

Notas

Outra versão da lenda de Auge e Télefo: o rei Aleu, furioso, encerrou a filha e o neto em uma caixa e lançou-a no mar — igualzinho à lenda de Acrísio, Dânae e Perseu... Os passageiros conseguiram atravessar todo o mar Egeu e acabaram atingindo a Mísia e foram acolhidos pelo rei Teutras.

Menelau, avisado por Íris, voltou rapidamente de Creta e recorreu ao seu poderoso irmão, Agamêmnon, que convocou todos os antigos pretendentes de Helena.

Falha a diplomacia

Resolveu-se, inicialmente, tentar a recuperação de Helena (e dos tesouros que ela havia levado, é claro) por via diplomática. O próprio Menelau e Odisseu, rei de Ítaca, se dirigiram a Tróia na qualidade de embaixadores. Em algumas versões, Palamedes, primo de Menelau e filho de Náuplio, um dos argonautas, também participou da embaixada.

Em Tróia, os embaixadores foram bem recebidos por Antenor, ancião troiano que tinha laços de amizade com alguns reis gregos. Introduzidos na assembléia troiana, Odisseu e Menelau apresentaram sua petição; os troianos, porém, rechaçaram-na e a guerra se tornou inevitável.

A primeira expedição

A maioria dos reis gregos — ou seus poderosos filhos — ligados a Menelau pelo juramento dos pretendentes reuniu-se em Áulis, na Beócia. Agamêmnon, rei de Micenas, foi escolhido comandante-em-chefe das forças gregas.

As forças gregas se dirigiram para a Ásia Menor e desembarcaram, por engano, na Mísia. Enfrentados e rechaçados por Télefo, os gregos se dispersaram e tiveram que voltar para a Grécia. Télefo, porém, havia sido ferido por Aquiles durante a luta e sofria intensamente por causa do ferimento, que nunca cicatrizava; consultado, o Oráculo de Apolo em Pátaros, Lícia, predisse que "somente quem ferira poderia curar". Graças a isso, os gregos conseguiriam preparar uma segunda expedição.

A segunda expedição

Na Grécia, os reis estavam tentando novamente se organizar e alguns dos principais heróis estavam reunidos no palácio de Agamênon. Télefo dirigiu-se para lá, conseguiu entrar no palácio e, tomando como refém o pequeno Orestes, filho de Agamêmon e de Clitemnestra, conseguiu ser ouvido pelos inimigos; na famosa versão de Eurípides, Télefo se disfarçou de mendigo para conseguir entrar. Em troca da cura, Télefo prontificou-se a ensinar aos gregos o caminho correto para Tróia e a permanecer neutro durante o conflito. Aquiles curou a ferida, colocando nela um pouco da ferrugem de sua lança, e Télefo cumpriu sua promessa.

Segundo a tradição, os gregos conseguiram se reunir novamente em Áulis oito ou dez anos depois da primeira expedição; uma expressiva calmaria, porém, impedia a saída dos navios. O adivinho Calcas atribuiu o problema à cólera de Ártemis, ofendida porque Agamênon teria flechado uma corça dedicada a ela ou por outra razão qualquer, e disse que a deusa exigia o sacrifício de Ifigênia (gr. Ἰφιγένεια), a filha mais velha de Agamênon. O rei, pressionado pelas circunstâncias, teve que concordar e, logo depois do sacrifício, os navios gregos puderam finalmente velejar rumo à cidade de Tróia, que tinha fama de inexpugnável.

Além dos dois átridas, Agamêmnon (de Micenas) e Menelau (da Lacedemônia), os mais importantes guerreiros gregos que embarcaram para Tróia foram: Ájax "o menor", filho de Oileu (Lócrida); Ajax "o maior", filho de Télamon (Salamina); Diomedes, filho de Tideu (Argos); Nestor, filho de Neleu (Pilos); Palamedes, filho de Náuplio (Náuplio); Odisseu, filho de Laerte (Ítaca); Idomeneu, filho de Deucalião (Creta); Tlepólemo, filho de Héracles (Rodes); Aquiles, filho de Peleu e seu grande amigo Pátroclo, filho de Menécio (Ftia); Protesilau, filho de Íficlo (Tessália); Êumelo, filho de Admeto (Feras); Filoctetes, filho de Peas (Magnésia); e Macáon, filho de Asclépio (Trica).

Odisseu e Aquiles

Consta que não foi fácil recrutar o engenhoso Odisseu (gr. Ὀδυσσεύς), inclinado a não se ausentar de [Ítaca], e Aquiles, escondido pelo pai, Peleu, na ilha de Squiros. Abordado, Odisseu fingiu loucura, manobrando um arado na areia e semeando sal, mas foi engenhosamente desmascarado por Palamedes, que colocou Telêmaco, o recém-nascido filho de Odisseu, na frente do arado.

Embora recrutado a contragosto, Odisseu acabou por aderir à expedição e empenhou-se em conseguir a ajuda de Aquiles. Depois de investigar um pouco, disfarçou-se de mercador e, auxiliado por Diomedes, foi a Squiros oferecer artigos femininos às mulheres do palácio real. Colocou discretamente uma espada e um escudo no meio das mercadorias e Diomedes, escondido, fez soar uma trombeta com o toque "inimigo à vista". Todas as mulheres do gineceu fugiram imediatamente, em polvorosa — menos uma, que empunhou a espada e o escudo com firmeza e aguardou friamente a chegada dos inimigos...

A mãe de Aquiles, Tétis, havia profetizado que, se fosse a Tróia, ele morreria na empreitada mas atingiria glória imortal; se não fosse, teria vida anônima mas longa. Consta que Odisseu não precisou se esforçar muito para persuadir Aquiles; o jovem decidiu-se, sem hesitar, pela vida curta mas gloriosa.

Iconografia

Desses mitos, os temas a que os artistas gregos recorreram mais frequentemente foram a visita de Télefo a Argos e a estada da segunda expedição em Áulis, notadamente a famosa cena do jogo de tabuleiro entre Ájax e Aquiles e o sacrifício de Ifigênia.

Em Áulis, no início da primeira expedição, o adivinho Calcas havia predito que Tróia resistiria aos gregos durante nove anos e que somente no décimo ano de campanha seria possível conquistá-la; mas, apesar da longa campanha, são bem poucos os episódios dos primeiros anos de guerra conservados pelos mitógrafos.

Primeiros combates

As dificuldades dos gregos começaram antes mesmo de atingirem Tróia. Quando os navios passaram pela ilha de Lemnos, Filoctetes (gr. Φιλοκτήτης) foi picado na perna por uma serpente, durante um sacrifício. Logo se formou uma ferida putrefata que, de tão dolorosa, obrigava Filoctetes a gritar alta e incessantemente, incomodando a todos. Os átridas[1] decidiram, por isso, abandoná-lo na ilha e continuar a viagem.

De Tênedo, ilhota próxima da costa troiana, uma segunda embaixada enviada aos troianos não fou bem sucedida e o exército grego então se preparou para desembarcar e atacar. O primeiro herói grego a colocar os pés em terra, Protesilau (gr. Πρωτεσίλαος), foi morto por uma lança troiana, arremessada por Heitor, filho de Príamo e o principal defensor da cidade. Consta que o jovem Protesilau, recém-casado, deixara a jovem esposa em plena lua-de-mel para se juntar ao exército helênico... O primeiro a atacar os gregos foi um dos filhos de Posídon, Cicno, aliado dos troianos, morto facilmente por Aquiles (gr. Ἀχιλλεύς). Com isso, recuaram os troianos para dentro dos muros de sua cidade, erguidos por Apolo e por Posídon, e para trás das resistentes Portas Céias.

Os gregos acamparam na praia, entre a fortaleza e os navios ancorados, e estabeleceram o cerco. Nem os gregos conseguiam entrar, nem podiam os troianos sair para o continente, embora lhes fosse ainda possível contatar os aliados pelo mar.

As mulheres troianas, porém, saíam ocasionalmente para pegar água em uma fonte próxima das Portas Céias, perto do templo de Apolo Timbreu. Certa vez, Aquiles conseguiu se esconder por ali e emboscou dois filhos de Príamo, Polixena e Troilos. Os jovens fugiram para a cidade mas Troilos, um rapazote, embora a cavalo, foi alcançado por Aquiles, a quem Homero chamava, muito apropriadamente, de Aquiles "de pés rápidos" (v.g. Il. 1.84). Aquiles levou imediatamente o rapaz para o templo de Apolo e, antes que os troianos conseguissem mandar socorro, sacrificou-o em cima do altar. Versões tardias do mito tentaram atenuar esse ato selvagem, vinculando sua necessidade a um oráculo: caso Troilos completasse vinte anos de idade, a cidade de Tróia seria inconquistável.

Do primeiro ao nono ano

Os nove anos seguintes se passaram entre assaltos sistemáticos dos gregos à cidadela, sempre infrutíferos, e ataques a ilhas e cidades vizinhas, aliadas dos troianos, em busca de mantimentos e de pilhagem.

Dentre os guerreiros era Aquiles quem mais se sobressaía e, numa dessas escaramuças, roubou o gado do troiano Enéias do alto do Monte Ida; em outra, prendeu Licáon, um dos filhos de Príamo, e devolveu-o à família mediante apreciável resgate. Muitos episódios são mal conhecidos, como por exemplo aquele em que Pátroclo, o amigo de Aquiles, foi ferido, conservado apenas pela cerâmica grega (Fig. 0167). Muitas cidades foram conquistadas, como Lirnessos, Pédasos, Lesbos e Tebas, cidade da Mísia onde reinava o pai de Andrômaca, esposa de Heitor. A mãe de Andrômaca, aprisionada na ocasião por Aquiles, foi também libertada em troca de resgate.

Durante as incursões do fim do nono ano, os gregos puseram as mãos em riquíssimo saque e em duas belíssimas mulheres, cuja posse desencadeou eventos que culminariam diretamente na queda de Tróia: Briseida e Criseida. Na divisão dos despojos, a formosa Briseida, de Lirnessos, foi dada a Aquiles, em reconhecimento pela sua capacidade guerreira; Criseida, igualmente muito bela, foi dada a Agamêmnon, pois a ele cabiam as honras devidas ao chefe da expedição.

Iconografia

O tema mais popular dessa parte do ciclo troiano entre os artistas gregos foi, sem dúvida, o episódio da emboscada e morte de Troilos.

Notas

Embora o termo "átridas" se refira a todos os descendentes de Atreu, filho de Pélops, é usado com muita freqυência apenas em relação a Agamêmnon, rei de Micenas, e a seu irmão Menelau, rei de Esparta, os dois mais famosos filhos de Atreu.

No décimo e último ano da Guerra, grave desentendimento entre Agamêmnon (gr. Ἀγαμέμνων), comandante da forças gregas, e o poderoso Aquiles (gr. Ἀχιλλεύς), precipitou os acontecimentos que culminariam na intervenção de Zeus, na morte de muitos heróis e, finalmente, na desejada queda de Tróia.

A ira de Aquiles

Crises, abastado sacerdote de Apolo e pai de Criseida, ofereceu a Agamêmnon um riquíssimo resgate em troca da filha. Infelizmente, Agamêmnon não estava de bom humor e, além de recusar a oferta, tratou o velho com extrema grosseria e ainda por cima o ameaçou. Crises suplicou então a Apolo, a quem servia, que o ajudasse, e o deus desencadeou uma grave peste que começou a dizimar o exército grego.

O adivinho Calcas (gr. Κάλκας), com o decidido apoio de Aquiles, revelou numa assembléia a causa da praga e profetizou que somente a devolução de Criseida ao pai sem qualquer compensação, acompanhada de um grande sacrifício propiciatório, aplacaria a ira de Apolo. Agamêmnon concordou, enraivecido, mas fez questão de tomar para si a escrava de Aquiles, Briseida, de uma lado para compensar sua perda, de outro para punir a ousadia de Aquiles e reafirmar sua autoridade.

Aquiles, ferido em sua honra de guerreiro, dirigiu-lhe palavras ásperas e se retirou da luta juntamente com seus soldados, os mirmidões. Pediu também à mãe, Tétis, que intercedesse junto a Zeus para que os gregos — e Agamêmnon — levassem a pior até reconhecerem seu valor e compensarem sua honra ferida. Zeus concordou e manobrou os heróis gregos e os outros deuses de tal modo que, em poucos dias, os troianos conduzidos por Heitor acuaram os gregos e começaram a atear fogo nos navios ancorados. Agamêmnon comprometeu-se então a devolver Briseida, acompanhada de ricos presentes, caso Aquiles voltasse à luta, mas o herói se manteve irredutível.

Apesar das façanhas de Diomedes, Ájax, Odisseu, Agamêmnon e outros heróis, e de sucessos como a morte do espião troiano Dólon e de Reso, o rei trácio que viera em auxílio dos troianos, a situação dos gregos era desesperadora. Pátroclo (gr. Πάτροκλος), o grande amigo de Aquiles, implorou-lhe que emprestasse sua armadura para tentar assustar os troianos e empurrá-los de volta para a cidade. Aquiles concordou e Pátroclo, com a armadura do amigo, liderou os mirmidões e conseguiu reverter, em parte, a situação. Matou muitos heróis troianos, entre eles Sárpedon, filho do próprio Zeus, mas cometeu o erro de tentar subir as muralhas de Tróia. Ajudado por Apolo, protetor da cidade, Heitor matou-o e lhe tirou a armadura. O corpo de Pátroclo foi recuperado pelos gregos com dificuldade, em meio a acirrada luta, graças à intervenção de última hora de Aquiles.


(aquiles e pátroclo). Clique no link para ver a imagem em tamanho maior:rel://files/_YPXBL6GZ2GMKWPVM6VEF.jpg


A morte do amigo transtornou o herói. Reconciliado com Agamêmnon, que devolveu Briseida e lhe deu os presentes prometidos, Aquiles recebeu da mãe novas e belas armas, confeccionadas por Hefesto, e também um aviso: a morte de Heitor resultaria, em breve, na sua própria morte. Nada, porém, o deteria; atacou os troianos com fúria nunca vista e o rio Escamandro, que passa perto de Tróia, ficou coalhado de sangue e de cadáveres. O deus-rio enfureceu-se a tal ponto com essa ousadia que saiu do leito e atacou Aquiles, mas teve que recuar diante da intervenção de Hefesto.

Heitor e Aquiles finalmente se encontraram diante das Portas Céias e, no confronto, o troiano foi morto facilmente pelo grego. Perturbado ainda pela dor da perda de Pátroclo, Aquiles prendeu o cadáver de Heitor à sua carruagem e o arrastou em volta da cidade dias e dias a fio. Nem mesmo durante os magníficos funerais de Pátroclo, em que sacrificou doze jovens troianos sobre a pira funerária do amigo e patrocinou várias disputas atléticas, deixou de fazê-lo. Mas Zeus pôs fim a essa selvageria e ordenou, através de Tétis, que devolvesse o corpo a Príamo em troca de resgate adequado.

Hermes conduziu o rei em segurança até a tenda de Aquiles e, diante do velho suplicante que lhe beijava a mão, Aquiles se lembrou do velho pai, a quem não mais veria, e sua cólera desapareceu. Tratou o velho com cortesia e hospitalidade, aceitou o resgate pelo cadáver de Heitor, que os deuses haviam conservado sem que deteriorasse, e ainda lhe concedeu uma trégua para que o falecido pudesse ter um funeral digno dele.

A morte de Aquiles e de Ájax

Após a morte de seu defensor mais capaz, os troianos receberam novos reforços: as amazonas, chefiadas por Pentesiléia, e os etíopes, chefiados por Mêmnon, filho de Eos, a aurora.

Logo após os funerais de Heitor, Aquiles e Pentesiléia se encontraram em meio à batalha e, mais uma vez, Aquiles venceu. Segundo a tradição, quando matou Pentesiléia com a lança, o capacete da guerreira caiu e o herói se apaixonou, nesse instante, por ela. Pesaroso, devolveu o corpo aos troianos para que a sepultassem. Posteriormente, enfrentou Mêmnon e também o venceu; Eos, em pessoa, veio buscar o corpo do filho e pranteá-lo.

Pouco tempo depois, ao perseguir os troianos através das Portas Céias, Aquiles foi atingido no calcanhar por uma traiçoeira flecha disparada por Páris, mas dirigida pelo próprio Apolo. O herói morreu perto do local em que havia matado Heitor e seguiu-se uma ferrenha disputa pelo seu corpo, resgatado afinal pelos gregos com grande dificuldade. O grande Ájax, o mais forte dos heróis gregos depois de Aquiles, carregou o corpo nos ombros para fora da refrega.

Depois de ser chorado por Tétis e pelas nereidas durante dezoito dias, Aquiles teve um magnífico funeral e foi sepultado junto de Pátroclo no cabo Sigeu, perto de Tróia, conforme seu desejo. Em algumas versões tardias, Tétis levou o filho para a Ilha dos Bem-Aventurados[1], onde ele vive para sempre.

Odisseu e Ájax (gr. Αἴας), filho de Telamon, disputaram as maravilhosas armas de Aquiles, que acabaram sendo concedidas a Odisseu. Ájax ficou tão perturbado ao ser preterido na disputa que atacou um rebanho de ovelhas (ou de vacas), pensando que estava matando os chefes gregos que o haviam tratado injustamente. Quando voltou a si, envergonhou-se do que fizera durante o delírio e se jogou em cima da própria espada.

Iconografia e culto

Todos os temas dessa parte do ciclo troiano, praticamente, foram utilizados pelos artistas gregos. A suposta sepultura de Aquiles recebeu oferendas durante muitos séculos e consta que até mesmo Alexandre, o Grande, depositou ali uma coroa quando passou pelo local.

Aquiles foi cultuado como herói em diversos lugares do mundo grego, notadamente em Mileto e na Tróade (Ásia Menor), Lesbos (Ilhas), Crotona e Locri (Magna Grécia), Esparta, Élis, Épiro, Tessália (continente).

Notas

Na Mitologia Grega mais antiga, as "ilhas dos bem-aventurados" (gr. Μακάρων νῆσοι, Od. 4.561) eram o local para onde os deuses enviavam seus escolhidos, após a morte terrena, para uma nova vida, perfeita e agradável. A ilha era vagamente situada no extremo oeste do rio Oceano. Na época clássica falava-se dos "Campos Elíseos" (gr. Ἠλύσιον πέδιον), um prado aprazível e de grande beleza situado igualmente na margem ocidental do Rio Oceano; em versões tardias das lendas, situava-se o Ἡλύσιον em algum lugar do hades, o mundo subterrâneo dos mortos. Aparentemente, é essa a origem do conceito de "Céu" dos cristãos e muçulmanos.

No fim do décimo e último ano da guerra, a luta havia chegado novamente a um impasse, mas algumas iniciativas tomadas por Odisseu (gr. Ὀδυσσεύς) finalmente conquistaram a cidade de Príamo. Atribulado, porém, foi o retorno dos gregos à sua pátria após dez anos de ausência.

As predições de Heleno

Os mitos, neste ponto, são um tanto confusos. Parece que Calcas predisse que somente Heleno, filho de Príamo e irmão gêmeo de Cassandra, dotado de poderes divinatórios como ela, podia contar o que era necessário para a conquista de Tróia. Odisseu, então, armou uma emboscada que resultou na captura de Heleno.

Segundo o adivinho, eram três as coisas essenciais: recuperar o arco de Héracles, que estava em poder de Filoctetes (gr. Φιλοκτήτης); cooptar Neoptólemo (gr. Νεοπτόλεμος), filho de Aquiles, que estava na ilha de Squiros; e subtrair o paládio, estátua de madeira da deusa Atena que havia caído do céu e era cultuada pelos troianos em local secreto.

Odisseu, calma e sistematicamente, preencheu todas as condições. Primeiro, foi a Squiros juntamente com Fênix, o velho preceptor de Aquiles, e convenceu o jovem Neoptólemo a entrar na luta. Dirigiu-se a Lemnos em companhia de Neoptólemo e conseguiu convencer Filoctetes, abandonado pelos gregos dez anos antes por causa do ferimento causado pela serpente, a ir para Tróia juntamente com o arco de Héracles. Em outras versões, foi Diomedes quem procurou Filoctetes.

De volta ao acampamento grego, Odisseu entregou as armas de Aquiles a Neoptólemo e o ferimento de Filoctetes foi curado por Macáon, o guerreiro-médico filho de Asclépio. Os recém-chegados logo mostraram serviço: pouco depois, uma flecha de Filocteres matou Páris e Neoptólemo, por sua vez, matou Eurípilo, filho de Télefo (já falecido nessa época), que viera ajudar os troianos.

Odisseu, por fim, se disfarçou de mendigo, entrou em Tróia sem ser reconhecido e conseguiu roubar o paládio, além de matar diversas sentinelas. Na versão de Homero, a mais antiga, Helena encontrou-o e reconheceu-o, mas não o delatou e até o ajudou a escapar da cidade (Od. 4.244-64).

O cavalo de madeira

As condições estipuladas haviam sido cumpridas mas os gregos estavam ainda diante do mesmo problema: como entrar na inexpugnável Tróia? Por sugestão de Odisseu, o artesão Epeio construiu então um enorme cavalo oco de madeira, dentro do qual se esconderam Odisseu, Menelau, Diomedes, Neoptólemo e outros gerreiros. Os demais gregos puseram fogo em suas tendas, se afastaram em seus navios e deixaram o cavalo diante das Portas Céias.

Os troianos saíram ressabiados da cidade e discutiram o que fazer com o cavalo, diante da aparente desistência do inimigo. Uns queriam destruí-lo; outros, jogá-lo do alto de um precipício; outros, ainda, guardá-lo como troféu. A profetiza Cassandra e Laocoonte, sacerdote de Apolo Timbreu, alertaram em vão os troianos que a conservação do cavalo seria a ruína da cidade. Ao ver uma gigantesca serpente, saída do mar, matar Laocoonte e seus dois filhos, decidiram que era um sinal divino e o levaram para dentro da cidade, a fim de propiciar os deuses.

Homero conta que Helena, então casada com Deífobo, irmão de Páris e de Heitor, aproximou-se do cavalo e, rodeando-o, chamou pelo nome diversos heróis aqueus, imitando a voz de suas esposas (Od. 4.265-89). Graças à disciplina e frieza de Odisseu, porém, nenhum deles se denunciou.

O fim de Tróia

À noite, em meio aos festejos que se seguiram, os gregos saíram silenciosamente do bojo do cavalo, mataram as sentinelas e abriram os portões da cidade; a um sinal, a armada grega retornou e o exército grego entrou, finalmente, em Tróia. Durante a noite, em meio a violentos combates, a cidade foi inteiramente incendiada e pilhada; praticamente todos os homens de Tróia, assim como as crianças do sexo masculino, foram mortos. Somente Antenor, que havia hospedado os embaixadores gregos em duas ocasiões, foi poupado.

Neoptólemo matou o rei Príamo, que se refugiou inutilmente junto ao altar de Zeus, e o jovem Astiánax, filho de Heitor e de Andrômaca. A profetiza Cassandra, filha de Príamo, refugiou-se no templo de Atena, abraçando a estátua da deusa. Isso não deteve, porém, Ájax, filho de Oileu, que a arrancou dali à força e violentou-a. Por causa de tão grande impiedade (arrancar um suplicante do altar, bem entendido[1]) o grego quase foi lapidado pelos próprios companheiros; ironicamente, para salvar-se, teve que se refugiar no templo de Atena.

O troiano Enéias (gr. Αἰνείας), filho de Afrodite e de Anquises, estava destinado a sobreviver (Il. 20.290-308). De acordo com o testemunho de alguns vasos e dos mitógrafos romanos, ele escapou no meio da confusão, levando o filho Ascânio pela mão e carregando o velho pai nas costas. Seus descendentes fundariam, muito depois, a cidade de Roma.

Menelau (gr. Μενέλεως) matou Deífobo e recuperou Helena, com quem se reconciliou; as demais mulheres foram escravizadas. Cassandra foi levada por Agamêmnon; Andrômaca, viúva de Heitor, por Neoptólemo; Hécuba, rainha de Tróia, por Odisseu. Mas Polixena (gr. Πολυξένη), filha de Príamo, foi sacrificada por Neoptólemo sobre o túmulo de Aquiles, pois o pai lhe apareceu em sonhos e pediu a jovem para si.

Iconografia

O saque de Ílion foi um dos temas mais utilizados pelos artistas gregos, notadamente os pintores de vasos de figuras negras e e de figuras vermelhas. Os episódios mais comumente representados são a morte de Príamo, a violação de Cassandra e a recuperação de Helena.

Notas

O altar dos templos gregos era território divino, sagrado e inviolável, um refúgio seguro para todos. Violar o altar, e até mesmo tocar o suplicante, era ofender diretamente o próprio deus do templo. Essa concepção foi assimilada posteriormente pelo Cristianismo e pela Igreja Católica.

Os retornos

Os deuses, segundo a tradição, planejaram penosos "retornos" (gr. νόστοι) para os gregos após a queda de Tróia, uma vez que seus templos haviam sido tratados com desrespeito durante a destruição da cidade. Alguns heróis tiveram problemas na volta, durante o trajeto; outros, ao chegarem em casa. E outros, ainda, nunca voltaram para casa.

Passaram por retornos mais ou menos felizes, i.e., bastante atribulados mas que terminaram bem ou relativamente bem: Nestor, Neoptólemo, Filoctetes, Polipetes, Leonteu, Podalírio, Menelau e, de certa forma, o adivinho Calcas.

Os que tiveram retornos infelizes foram Agamêmnon, Ájax "o Menor" (filho de Oileu), Diomedes, Idomeneu e Teucro.

O retorno de Odisseu foi o mais demorado e mais movimentado de todos; o herói demorou dez anos para retornar a Ítaca, sua terra natal. Suas aventuras e desventuras foram muitas, mas ele conseguiu voltar ao lar e recuperar seus domínios, que estavam ameaçados. Por ser o mais bem conhecido, graças a Homero, será tratado com detalhes.

De certa forma e em termos gerais, o destino dos vencedores não foi muito melhor que o dos vencidos (Mavromataki, 1997)...

Iconografia e literatura

Há documentos iconográficos disponíveis, mas referentes aos retornos individuais. Um dos poetas cíclicos, Hágias de Trezena (séc. -VII), compôs uma epopéia em cinco livros — Νόστοι, "Os retornos" — relatando as peripécias dos gregos durante a volta ao lar. Restam-nos apenas uma dúzia de fragmentos e outros tantos testemunhos. Sobre o retorno de Odisseu estamos bem mais documentados: temos a Odisséia, de Homero...

A volta dos heróis

Nenhum dos heróis chegou à sua casa sem passar por algumas dificuldades. Os mais felizes foram o velho Nestor que, após enfrentar algumas tempestades, chegou a Pilos são e salvo; Neoptólemo, que regressou por terra à Ftia; e Filoctetes, que teve um regresso tranquilo à Magnésia.

Polipetes, Leonteu, Podalírio e o adivinho Calcas, após uma tempestade, chegaram a Cólofon, na Ásia Menor. Calcas faleceu pouco depois, de morte natural, sem ter visto novamente a Grécia; Podalírio, filho de Asclépio, conseguira rever a Grécia, mas preferiu retornar e se estabeler na Cária (sudoeste da Ásia Menor); Polipetes e Leonteu conseguiram, aparentemente, retornar à Tessália.

A volta de Menelau (gr. Μενέλεως) foi atribulada. Ao se aproximar da Eubéia, violenta tempestade jogou seus navios em Creta, onde muitos deles encalharam. As naus restantes lograram chegar ao Egito, onde Menelau permaneceu um certo tempo por causa de uma calmaria; segundo a maioria das versões, demorou sete ou oito anos para conseguir retornar a Esparta, coberto de riquezas. Na versão mais corrente, Menelau e Helena conseguiram sair do Egito graças à ajuda de Proteu.

Retornos infelizes

O retorno de Agamêmnon (gr. Ἀγαμέμνων), irmão de Menelau e chefe da coalização grega, foi um dos mais infelizes. Durante a guerra, sua esposa Clitemnestra associou-se a Egisto, seu grande inimigo, e ambos o assassinaram traiçoeiramente no dia de seu regresso.

Ájax "o Menor" (gr. Αἴας), filho de Oileu, também não se deu bem. Naufragou perto de Míconos, uma das ilhas Cíclades, e morreu afogado quando Posídon destruiu o rochedo no qual se refugiara.

Diomedes (gr. Διομήδης) regressou a Argos sem incidentes e Idomeneu conseguiu, igualmente, retornar a Creta sem problemas, de acordo com as tradições mais antigas (Od. 3.180-192). Outras versões referem, no entanto, que os deuses haviam reservado aos dois diversas infelicidades. Egíale, esposa de Diomedes, havia sido infiel durante a longa ausência do marido e, ao regressar, por pouco Diomedes não morreu nas armadilhas preparadas por Egíale e seus amantes. O herói teve que fugir de Argos e se estabelecer no sul da península italiana, onde teria fundado várias cidades.

Idomeneu (gr. Ἰδομενεύς), para escapar de violenta tempestade, prometeu sacrificar a Posídon o primeiro ser humano que encontrasse em seu reino; ao desembacarcar, seu filho (ou filha) foi recebê-lo e ele teve que cumprir a promessa.

O arqueiro Teucro (gr. Τεῦκρος), irmão de Ájax, "o Maior", que se suicidara durante o último ano da guerra, retornou a Salamina mas foi mal recebido pelo pai, Télamon, que acusou-o de não ter ajudado o irmão quando mais precisava dele. Teucro emigrou então para Chipre, onde fundou a cidade de Salamina; segundo outras versões, estabeleceu-se ao sul da península ibérica.

f.: Portal grécia antiga
ENCYCLOPAEDIA V. 51-0 (11/04/2016, 10h24m.), com 2567 verbetes e 2173 imagens.
INI | ROL | IGC | DSÍ | FDL | NAR | RAO | IRE | GLO | MIT | MET | PHI | PSI | ART | HIS | ???